sábado, 28 de abril de 2007

O Caso do pé de Canela




As pessoas que passavam por ali naquela pequena estrada ficavam apavorados com os causos que a bela árvore alimentava. Contavam, os mais antigos que a partir de uma certa hora, a estrada era tomada de uma atmosfera lúgubre e fantasmagórica. Diante de sua gigantesca estrutura ,a lenda e o mito, bem como vários assombros. Um deles causados ao amigo Evódio, a sua última vítima. Vendo o infeliz chegando daquele grotão em estado alarmante, coube-me a missão de acalmá-lo com chás e muita prosa. “A árvore – dizia– é assombrada!”. A enorme árvore bicentenária, conhecida como caneleira, teria emitido sons e ruídos aterrorizantes. Evódio acreditava ter escutado a árvore chamar pelo seu nome. Não pude atender aos apelos do amigo e dos vizinhos que vinham sempre me visitar, pedindo que a cortasse. O problema ganhou maiores proporções, porque o povo não passava mais pelo caminho, e, quando anoitecia, nem os doentes recebiam tratamento, ficando isolados, a distância da cidade e do hospital quando seus males se manifestavam ao anoitecer.
Ouviam-se coisas estranhas sobre a nossa distinta personagem. Uns diziam que era choro de crianças natimortas, outros que emitia maldições a quem quer que passasse diante dela. As beatas davam voltas quilométricas, afirmando que o local era consagrado ao “Coisa Ruim” e que seus antigos donos eram pessoas pagãs que maltratavam seus escravos, enterrando-os aos seus pés.
O prenúncio dos sons era o piado da coruja que causava assombro e medo aos sitiantes que se benziam, fechando as cancelas, as portas e porteiras ao ouvi-lo. Após o piado, rajadas de vento e o uivo estridente da madeira.
Os anos se passaram e o mistério nunca era desvendado. Aliás, nem trabalhadores eu conseguia para os serviços do campo. Determinei-me, então, a desvendar o mistério. As beatas chegaram a afirmar que eu fazia rituais diante da pobre árvore. Ignorantes, umas verdadeiras aves agourentas. Outros do povo, góticos e simpatizantes vinham até ela inspirados pelos boatos. O que era mentira tornou-se verdade. Começaram os rituais macabros. Um verdadeiro turismo necrológico, gentes de todas as partes. Pela manhã cruzes, cachaças e charutos. De acordo com as leis ambientais estaria proibido de cometer qualquer dano a espécie (é uma planta nativa) o que, apesar de meu senso ecológico, lamentei com veemência. “O que essa pobre árvore teria de incomum? – indaguei.
Lembrei-me, deste modo, de um antigo parceiro de trabalho, conhecido pelo destemor e religiosidade. Não exitei em pedir-lhe ajuda, o qual me atendeu prontamente. Munidos de terços, bíblia, água benta e dentes de alho, resolvemos verificar o que estava acontecendo. Não lhes posso negar meu estado de assombro e medo quando, coincidentemente à data de sua visita, o piado da coruja veio ao céu rugir em alto tom. Pensávamos que enfrentaríamos um embate direto com o 666 e seus súditos. Olhamo-nos perplexos quase a desanimar. Livres dos arrepios, contra as horas noturnas e o mau tempo encaminhamo-nos aos pés da caneleira. A batalha não seria fácil - acreditávamos.
Ficamos aos seus pés noite adentro e nada. A lua em seu auge clara e taciturna iluminava a copa daquele ser gigantesco. Durante o tempo em que estivemos no local, percebemos que o vento soprava impetuosamente e a arvore de imensos galhos se contorcia, balançando o tronco sobre seu eixo de avançada idade e ressequidão. Produzia, assim, os sons exóticos e desconhecidos daquele povo. Vislumbramos um imenso ninho, no qual a coruja, com certeza, nutria seus rebentos e voava alvoroçada quando o vento agitava ruidosamente o oco de sua moradia. Percebemos que toda aquela história não passava da fértil e mal ocupada imaginação daquelas pessoas.
Hoje, frondosa e ainda cheia de vitalidade, pronta a nos acolher em sua sombra, segue a nossa caneleira livre das ameaças da ignorância humana.

Rezende, Paulo C.Marques

28/04/07

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